domingo, 1 de novembro de 2015

Sobre animais empalhados

Tenho observado muito os animais. São de uma presença e de uma sinceridade fascinantes. Nós, por outro lado, somos um labirinto orgânico de experiências, memórias, filosofias, histórias; justamente o que nos garantiu esta evolução continuada, geração após geração.

O primeiro sabor do chocolate nunca mais se repetirá. A intensidade de cada experiência nos marca e nos impele a uma busca frenética pela re-experimentação. O mesmo se aplica a sonhos, só que sem jamais os termos provados. A empatia substitui a experiência. Uma proposta de felicidade, de compromisso nos é vendida e, por osmose sentimental, a compramos. Sem nunca ter sentido o gosto do chocolate abstrato que a constituição de uma família representa, ou que um emprego bem remunerado tem, vendemos nossos momentos e nossa presença pela escravidão da empatia humana. Nosso lado animal, nossa ligação com o mundo morre para a construção dessa realidade paralela. Algo entre o real e o sonho é onde estamos agora. As idas a restaurantes são reais, as máquinas que criamos são reais, mas real também é o nosso lugar no planeta, que é sugado para a realização desse castelo no céu chamado progresso. Um sonho que se materializa a cada dia, mas que nos arranca o que temos de mais concreto que é o presente.
A parte prática disso tudo é uma vontade grande de trocar sonhos por paz, de sentir a realidade de cada segundo entrar em meus pulmões, enchê-los e fazer de mim um ser mais vivo do que filósofo. Contradição que enfrento agora, ao escrever este texto. A única reação que encontro é viver com sinceridade, não apenas comigo, mas com tudo que me engloba. Acho que sinceridade é a palavra chave.

Animais empalhados, entre o real e o sonho.

domingo, 11 de janeiro de 2015

Cem anos de solidão e de belezas

O título faz referência à principal obra do falecido Gabriel Garcia Marquez, mais um dos grandes seres humanos a nos deixar no ano passado, 2014. Li o livro numa mistura de curiosidade e homenagem. Funcionou bem.
Terminei o livro, fechei-o e fiquei olhando para o vazio alguns minutos. Reli o último parágrafo algumas vezes, tentando ao máximo absorver a história da eterna vila de Macondo, que o colombiano usou como metáfora para a vida de cada um de nós. Vida expressa em um vilarejo, em uma família de 7 gerações, mas que você tem certeza de que seriam infinitas caso as páginas do livro permitissem. Com uma narrativa que fica entre o real e a fantasia, nos perdemos em uma narrativa que se renova a cada linha, mas que continua igual dentro das quase quinhentas páginas que compõem o livro. É um sentimento estranho, de novidade e "dejà vu", que, justamente, formam a beleza da obra. Escondida, sútil, o segredo da vida vai brotando a cada segundo, sendo descoberta pelo leitor. O gostoso é que essa revelação não termina ao final da história, ela é tão prática que se extende à nossa visão de mundo. Ao ver um filme, ao contemplar a natureza, ao fazer uma reunião familiar, Gabriel Garcia Marquez está lá, lembrando-nos que a mesma terra que nos dá de comer vem também cobrir nossos caixões e que, nem por isso, é mais bela ou mais detestada. É terra, ponto.
Você acredita em vidas passadas? Ou que somos apenas aglomerados de carbono? Ou é um agnóstico? Tento faz, você vive. Filosofia e prática dependem uma da outra, mas brigam o tempo todo; pelo menos no mundo em que vivo. Mas de alguma forma, ambas sabem que trabalham juntas, pelo mesmo ideal. Durante 7 gerações, vemos a família Buendía se suceder. Uma após a outra, eles surgem e, como nós, tentam dar o melhor de si. Alguns são mais hedonistas, se preocupam em viver, outros são mais idealistas e se metem em guerras, mas todos se revelam humanos: sofrem, alegram-se, fazem amor, castidade e morrem. Nascem e morrem. Uma epifania tão simples, mas rica o suficiente para eternizar a vila de Macondo na minha memória. Fica aqui, o meu agradecimento ao autor, eterno e mortal, como sua obra já havia previsto.