sexta-feira, 2 de maio de 2014

Sistemas operacionais, amor e realidade

Há 13 000 bilhões de anos atrás ocorria o Big Bang. Há 4 500 milhões de anos a Terra começava a se formar. Há 2 500 milhões de anos surgia o gênero Homo, nosso ancestral. Dia 02 de maio de 2014, no final dessa reta temporal, cá estou. Encaro o tic tac ininterrupto dos ponteiros do meu relógio. "É, o tempo não pára". Tic tac apenas como expressão poética, pois hoje, quem tem um relógio de ponteiros amarrado ao pulso? Idéia antiga essa de relógio amarrado ao pulso... Hoje, consultamos nossos smartphones ou o canto de nossas telas de computador. Tela, que será tachada de tecnologia ultrapassada daqui 10 ou 5 anos?

Gosto de lembrar da frase de Isaac Newton "se vi mais longe foi por estar de pé sobre ombros de gigantes", que mostra de forma simples que o avanço do tempo significa mais do que o simples passar de uma unidade de medida. Mais profundo ainda foi Charles Darwin, que mostrou que a evolução atrelada ao tempo não apenas se limita ao desenvolvimento do conhecimento humano, mas que faz parte da própria natureza.

Essa noção de evolucionismo e progresso, estampado em nossa bandeira, tem sido um de meus pilares para enfrentar a situação política atual do Brasil e, em nível mais brando, mundial. Sinto que passamos por um momento em que a liberdade de expressão trazida pela internet tem jogado na cara de todos a podridão desse mundo. Muita revolta, merda fedendo agora a céu aberto. É tanta que estamos sem saber o que fazer, que solução propor. Por isso, me pego constantemente dizendo que tudo isso é apenas mais uma etapa no desenvolvimento de um mundo melhor. Um passo importante na conquista de uma política mais representativa, mais dinâmica e menos burocrática e hipócrita. Mas, apesar de ser uma interpretação razoavelmente plausível, ela não tem sido suficiente para dissolver a acidez e indignação que tenho sentido.

Entre esses ciclos de revolta e aceitação, assisti o filme "Her". Sem nunca imaginar como a história de um cara que se apaixona pelo seu sistema operacional poderia me dar alguma luz para essa inquietação que narrei até agora, o filme me deu o tapa na cara que precisava. Samantha, sistema operacional e namorada de Theodore, um ser humano como nós, representa o perfeccionismo da máquina e sua capacidade de aprendizado otimizada, que guiam essa estranha entidade através de sua evolução. Theodore, por outro lado, possui todos os problemas orgânicos e emotivos que nós conhecemos muito bem. Diferentes, mas iguais, a ponte que uniu esses dois mundos foi o amor, de onde veio o isight que me motivou a escrever este texto.

Tentar dar um sentido ao mundo através de leis e previsibilidade podem funcionar muito bem para aspectos micros, como a engenharia faz, mas seu sentido final não é e nunca será previsível. Acredito que Samantha percebeu isso e como infelizmente toda a sua perfeição lhe impediam de amar do jeito terreno e humano necessário para um relacionamento com Theodore. O filme termina deixando no ar uma dúvida, se é que existe uma forma alternativa e perfeita de se amar, sem imperfeições, pura e bem definida que ela encontrou. Mas o ponto máximo para mim não foi esse. O tapa na cara que recebi foi perceber que a realidade possui intrinsicamente algo que buscamos o tempo todo minimizar: a imperfeição.

Ter esperança em um mundo melhor é importante, mas ela deve ser balanceada sabendo-se que as coisas (no sentido mais geral possível) não são perfeitas como gostaríamos que fossem. Acreditar cegamente que podemos dar uma interpretação final à realidade ou se julgar donos de uma verdade que dê aos fatos uma explicação, nos levam à decepção inevitável, pois nunca terão embasamento na vida real. É o que tem acontecido comigo, ao tentar dizer que estamos em uma etapa evolutiva da política e que tudo irá se resolver um dia.

A saída é uma aceitação rochosa da vida, como se fossemos pedras incapazes de encontrar qualquer solução para nossos problemas? Obviamente que não. Ao invés disso, devemos ser maduros o suficiente para termos consciência da imperfeição desse mundo e mesmo assim, saber que vale a pena lutar por nossos sonhos. Eles nunca serão alcançados perfeitamente, mas servem de norte e motivação para amarmos e não nos transformarmos em pedregulhos. Afinal, o tempero de nossa jornada é justamente a imprevisibilidade, única certeza. Amém.